Por Érika Ramos
Na esquina da Rua Benjamim Constant com a Rua Humberto de Almeida no bairro Piraporinha, zona sul de São Paulo, há mais do que diz a placa.
Na esquina da Rua Benjamim Constant com a Rua Humberto de Almeida no bairro Piraporinha, zona sul de São Paulo, há mais do que diz a placa.
Dentro, as mesas, patrocinadas por alguma marca de cerveja, estão dispostas em duas longas fileiras. No fundo, duas ou três máquinas de jogos e uma televisão lá no alto. Na estufa, bem aos olhos do freguês, torresmo, carne seca e mandioca cozida.
Lá fora, no terraço, mais mesas e cadeiras, e uma árvore cujo tronco dá apoio aos que querem passar. Até aí um bar comum. Mas não tão comum. No Bar do Zé Batidão, é quarta-feira, noite do esperado Sarau da Cooperifa.
“Antes pensava nos bancos que eu teria que ir na quarta-feira, no trabalho, hoje não vejo a hora de chegar quarta-feira” revela Robson Canto, auxiliar de escritório, escritor.
O local inusitado para a realização do evento não foi escolhido à toa “na periferia não temos teatro, não temos cinema, o único espaço público que nós temos é o bar. Então vamos fazer cultura aqui”, explica o poeta Sérgio Vaz, idealizador do projeto.
Vem gente de toda parte, de curiosos do centro da cidade a vizinhos assíduos, todos interessados nos versos. E quem não está interessado já é logo avisado pelo poeta que pode se retirar “enquanto há tempo”. Dali para frente serão duas horas de poesia. A placa atrás dele onde se lê: “O silêncio é uma prece” é quase uma ordem para que a única voz ouvida seja a do declamador.
A Cooperifa, Cooperativa Cultural da Periferia surgiu em 1999 com o objetivo de reunir escritores da periferia para a leitura de textos próprios ou de outros escritores num movimento “da favela para a favela”.
A reunião já rendeu frutos, um CD com voz e texto de 26 poetas e um livro, “Rastilho de Pólvora”, ambos com o apoio do Itaú Cultural. Eles também encontraram uma maneira de “prestigiar os amigos” explica Sérgio Vaz, o Prêmio Cooperifa elege o melhor trabalho do ano dos participantes do Sarau.
Os poetas se revezam na declamação. Dentre eles, professora, dona de casa, aposentado, rapper, líder comunitário, auxiliar de escritório, motorista. Nas vozes, palavras de amor, letras de rap e poesia ácida, de denúncia social. A gíria, linguagem típica do subúrbio, quando aparece, não empobrece o texto.
O dono da voz forte que vem de lá do terraço e emociona a platéia é Helber Ladislau. O poema? “José” de Carlos Drumond de Andrade. Helber, conta que os versos chegaram em sua vida “num momento em que estava sem luz”, desempregado, o motorista, se amparou na poesia de Castro Alves e de leitor passou a escritor e declamador.
No Sarau a cultura negra e a nordestina são exaltadas, se completam nos sotaques, na beleza, na riqueza de expressões dos filhos e netos dos que foram “levados” a morar na periferia. E nenhum problema quanto a isso. Aqui eles têm orgulho de onde moram.
O lugar longe que só costuma aparecer nos noticiários em dados estatísticos da violência há tempos mostra mais.
“No sentido abandono, esquecimento é uma poesia marginal que está à margem das grandes editoras, da mídia. Não é o tema que diz se é marginal ou não”, explica Sérgio Vaz.
A idéia de contrapor a cultura do centro para a periferia chama atenção. Só hoje, dois canais de televisão gravam matérias sobre o evento. É o movimento da favela para o centro.
A frase estampada na bandeira branca da Cooperifa diz tudo: “Nóis é ponte que atravessa qualquer rio”.
2 comentários:
parabéns Érika (xará)...muito bom o post....deu vontade de conhecer o lugar.
É legal ver iniciativas como essa, que mostram que não é preciso ter dinheiro para ter cultura, educação e lazer de qualidade.
Legal o texto, mas acho que falta umas fotos do evento pra ilustrar, além do vídeo
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